Introdução e perguntas da KO (Organização Comunista da Alemanha).
50 anos da queda do fascismo em Portugal. Que lições podemos aprender para a atualidade?
Entrevista com o movimento marxista-leninista "Alavanca" de Portugal.
Já se passaram 50 anos desde a chamada Revolução dos Cravos em Portugal. O fascismo foi derrubado, mas, em última análise, não o regime burguês como tal. Nesta entrevista com o movimento marxista-leninista "Alavanca", de Portugal, pretendemos fornecer informações sobre o significado e o desenvolvimento dos eventos de 25 de abril de 1974. Queremos explorar as questões de porque a queda do fascismo não pôde ser transformada em uma revolução proletária, de qual estratégia os comunistas seguiram e de quais lições precisam de ser aprendidas hoje a partir dessa experiência em Portugal e no mundo todo.
Entrevista da KO ao Alavanca:
KO - Por favor, comecem por delinear mais uma vez para os nossos leitores as causas e os principais desenvolvimentos do 25 de Abril de 1974 e do chamado "Processo revolucionário em curso" (PREC).
Alavanca - As causas só poderiam ser uma de 3: o desgaste de uma guerra, uma crise económica e uma insurreição revolucionária do Partido Comunista Português. As duas primeiras são um resultado natural da evolução de um Estado fascista, o aparato repressivo de um Estado fascista é muito acima do normal em capitalismo (isto é, do que na democracia burguesa) e isto tende à guerra e à crise económica porque o aparato repressivo precisa de se auto-justificar (guerra) e tem custos (crise económica). A última causa não aconteceu em Portugal embora tivesse havido uma tentativa falhada de insurreição revolucionária do PCP e da central sindical anarquista CGT em 1934, depois disso nos anos 60 o PCP tinha a insurreição (levante popular) no papel mas tinha abandonado essa hipótese na prática. A causa foi em particular a guerra colonial que vem associada a uma certa crise económica. Depois de 13 anos de guerra até alguns generais do exército queriam modificar o regime colonial para um federalismo ou criação de Estados de Apartheid (uma autonomia gradual das colónias) mas os oficiais e soldados queriam muito mais que isso e queriam o fim da guerra com a independência imediata e incondicional das colónias. O desgaste do regime fascista e da guerra colonial baseou-se num agudizar das contradições dentro do exército por causa da guerra que passou a gerar muitos mortos, derrotas militares (especialmente na Guiné-Bissau) e falta de oficiais de carreira militar. Os principais desenvolvimentos foram o facto do golpe militar de 25 de Abril de 1974 ter exposto as contradições entre os generais e os oficiais e soldados, sendo o golpe basicamente liderado pelos oficiais do MFA sem o envolvimento dos generais e até contra eles. Como a seguir ao golpe alguns generais liderados pelo general Spínola negociaram com o MFA e tomaram controlo do governo, o MFA permitiu aos generais governar basicamente até aos primeiros meses de 1975, mas durante esse tempo o programa do MFA de fim da guerra e descolonização imediata entrou em choque com Spínola e os generais que tentavam quer manter elementos do regime fascista, quer um processo gradual de autonomia e não independência das colónias. Entretanto o MFA ligava-se ao movimento popular, ao movimento operário-sindical, camponês e estudantil que vindo das bases das forças revolucionárias do PCP e do UDP empurraram os governos provisórios no sentido dos saneamentos de fascistas, das nacionalizações, da reforma agrária e do controlo operário que veio a acontecer em 1975.
KO - No entendimento leninista, é necessária uma situação revolucionária objetiva, na qual os governantes não possam mais governar como antes e os oprimidos não queiram mais viver como antes, para que a classe trabalhadora tenha a chance de derrubar a burguesia. Havia uma situação revolucionária em Portugal em 1974?
Alavanca - No entendimento leninista havia uma situação revolucionária em Portugal em 1975 que resultou do agudizar das contradições no poder militar provisório existente por cima e do agudizar da luta de classes de forma massiva por baixo que aconteceu em 1974. O exército tinha tomado o poder sob controlo dos oficiais do MFA e pelas suas contradições com os generais e com as forças burguesas estes oficiais uniram-se essencialmente ao movimento operário, camponês e popular que empurrou a situação política para uma situação revolucionária entre capitalismo e socialismo. Até 11 de Março de 1975 os generais que lideravam os restos da organização política e militar fascista foram completamente derrotados e a partir daí a luta passou a ser inequivocamente já não para derrubar o fascismo, porque isso já estava feito, mas sim entre democracia burguesa e revolução socialista, entre capitalismo e socialismo.
KO - Os eventos do PREC são frequentemente referidos como a "Revolução dos Cravos". O Partido Comunista Português (PCP) fala de uma "revolução inacabada". É correto falar do PREC como uma revolução no sentido marxista?
Alavanca - Uma revolução no sentido marxista significa o derrube de uma classe dominante e a tomada do poder de outra classe dominante e portanto há mais de um século que só poderia haver revolução socialista em Portugal já que o regime da república burguesa em Portugal existe desde 1910. Não existem nunca "revoluções inacabadas", uma revolução é sempre uma tentativa de tomada do poder que pode vencer ou ser derrotada e sendo derrotada é preciso começar do zero e fazer uma nova revolução. Por exemplo na Rússia os bolcheviques protagonizaram a revolução de 1905 que foi derrotada e depois as revoluções de fevereiro de 1917 e outubro de 1917 que foram vitoriosas, apesar das duas primeiras revoluções serem burguesas foi preciso começar do zero de uma para a outra. Pensamos que a lógica do PCP actual é tratar o que aconteceu, o PREC, como uma revolução que permanece em existência continuada até hoje, o que é completamente absurdo. Voltando à definição marxista de revolução não é correcto falar que existiu uma revolução durante o PREC porque: a única revolução possível era a revolução socialista e as forças revolucionárias insistiram sempre em revoluções "democráticas" (a etapa "democrática" entre capitalismo e socialismo), porque não existiu uma tentativa organizada de tomar o poder pelos revolucionários (isto é clarificado durante o golpe militar contra-revolucionário de 25 de Novembro de 1975) e porque não existiu o derrube de uma classe dominante através da tomada do poder de outra classe dominante. O que existiu sim durante o PREC foi uma situação revolucionária como já dissemos, isto é, a oportunidade de tomar o poder organizada pelo Partido Comunista e pelas forças revolucionárias. Mas infelizmente o PCP e a UDP, as forças revolucionárias decidiram não tomar o poder e capitular perante as forças contra-revolucionárias da democracia burguesa.
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