A organização das mulheres trabalhadoras, para além dos “governos feministas” e do movimento feminista
A organização das mulheres trabalhadoras, para além dos “governos feministas” e do movimento feminista
Nuevo Rumbo (Órgão do CC do PCTE)
Cristina González
O que vou contar não é novidade. Quem mais, quem menos, sabe que de vez em quando tenho escrito sobre esse assunto. Mas a verdade é que a questão da organização das mulheres trabalhadoras, independentemente de assistirmos a mais ou menos medidas de carácter supostamente progressista e tentativas de adoçar os ouvidos e bajular a toda aquela que se possa, está hoje na ordem do dia.
A questão das mulheres, e tudo o que ela implica, sempre foi um tema sobre o qual todos puderam lançar as suas especulações como quisessem. Precisamente, muitos e muitas dos que fizeram estas reflexões, de forma premeditada, esqueceram todos os contributos que o marxismo-leninismo deu a esta questão, o que lhe deu a importância que tem e a colocou no centro dos desenvolvimentos políticos.
Comecemos por algo que, embora possa ser bastante óbvio, é muitas vezes esquecido em muitos movimentos: a questão das mulheres é indissociável da questão geral da classe operária. Não compreender que a contradição de classe é o que determina e aprofunda todas as outras contradições sociais é não compreender que a opressão que as trabalhadoras sofrem por serem mulheres e a exploração que sofrem por pertencerem a uma classe específica é uma consequência directa e última do sistema capitalista.
Embora alguns postulados feministas também possam colocar o foco no capitalismo e também falar da necessidade de organizar as mulheres trabalhadoras contra o "feminismo burguês", os chamados sectores feministas mais "de classe" elaboram os seus postulados ideológicos, ao contrário dos comunistas, com o foco no desenvolvimento do movimento feminista, e não na luta geral da classe operária para derrubar o capitalismo, que é uma condição indispensável para acabar com a opressão das trabalhadoras.
Descobrimos, no final, que tanto umas como outras, num espectro muito amplo, explicam a questão das mulheres de uma forma reducionista: o maior problema que as mulheres têm (cuidado com isto sobre as mulheres, porque se referem àquele grupo heterogéneo que nós mulheres somos, não se referem às mulheres específicas de uma classe específica) é a dominação dos homens. Seria pelas facilidades que eles têm na vida que nos oprimem e exploram. Tomemos um exemplo para entender o que argumentam: se uma mulher anuncia no trabalho que está grávida e é demitida por isso, a culpa é principalmente do que o feminismo chama de “patriarcado”, e não de um ou uma capitalista exploradora, dona da empresa, que aproveita esse momento para economizar nas despesas com licença médica e maternidade.
Com isto chegam a conclusões erradas, como a de que as desigualdades e discriminações sofridas pelas mulheres podem ser alteradas através de reformas legislativas no quadro do capitalismo ou que, se todos os homens em posições de poder fossem substituídos por mulheres, tudo estaria muito melhor. Esta última tirada soa e ressoa, certo? Não haveria guerras, não haveria exploração, tudo seria harmonia e felicidade se as mulheres estivessem no comando... Não deixam de ser fantasias de quem não analisa de forma correcta a sociedade em que vive. Acreditar que a verdadeira igualdade é possível sob o capitalismo ignora o facto de que a base do próprio sistema capitalista é a desigualdade, e que a emancipação das mulheres requer uma ordem socio-económica em que não haja exploração exercida por uma classe que detém os meios de produção sobre outra classe despossuída.
Lenine – e permitam-me que o diga muito correctamente – já disse que igualdade perante a lei não é igualdade na vida. Portanto, por mais que tentem nos vender que houve muitos avanços nos governos “feministas” para as mulheres, eles nada mais são do que medidas cosméticas e, claro, em nenhum caso são parte de uma luta determinada para erradicar a sociedade capitalista.
Pararam de assassinar mulheres porque existe uma lei sobre violência de género (desastrosa, se me permitem esta opinião)? As agressões sexuais ou os violações cessaram devido a uma lei que deixa muito a desejar? As mulheres podem fazer abortos livremente, sem qualquer pressão? As trabalhadoras deixaram de carregar nas sua costas as tarefas reprodutivas e de cuidados?
A resposta a estas perguntas é única: um claro e sonoro não. E é isso que acontece quando deixamos de lado o carácter de classe da luta pela libertação das mulheres: levar milhões de trabalhadoras a defender postulados estranhos aos seus interesses e a aplaudir qualquer medida dirigida a nós, mesmo que sejam apenas migalhas.
Clara Zetkin, em "A Questão das Trabalhadoras e das Mulheres no Presente", disse que “a questão da emancipação plena das mulheres, portanto, acaba por ser, em última e decisiva instância, sobretudo uma questão económica, que está sempre na mais íntima ligação com a questão dos trabalhadores e só pode ser finalmente resolvida em relação a ela. A causa das mulheres e a causa dos trabalhadores são inseparáveis e só encontrarão a sua solução final numa sociedade socialista, baseada na emancipação do trabalho dos capitalistas." Grande Zetkin! Que em 1889 já tinha as ideias muito claras, comparativamente à confusão que vemos em alguns sectores em 2024.
Por outro lado o feminismo, em qualquer uma das suas vertentes, acaba por lavar a cara às mulheres da burguesia, entrando no jogo do capitalismo, Zetkin já deixou claro que a luta pela libertação das mulheres não pode ser contemplada como algo específico e único das mulheres, mas sim é algo que deve envolver o conjunto do movimento operário e o conjunto do movimento revolucionário.
Entre a luta geral pelo poder operário e a luta específica pela emancipação das mulheres existe uma relação indissolúvel: a luta pela nossa libertação como mulheres terá mais força enquanto estiver mais ligada à luta geral da classe, e a luta geral da classe operária aprofunda-se no momento em que se fortalece a luta pela emancipação das mulheres.
E este é o ponto principal. A organização das trabalhadoras vai muito além. A organização das trabalhadoras passa da nossa luta específica centrada nas nossas necessidades, problemas e reivindicações até à luta da classe operária pela construção de uma nova sociedade, pela construção do socialismo-comunismo. Sem este vínculo comum é impossível acabar com a opressão das mulheres.
A organização dos trabalhadoras não é algo abstracto, mas sim tangível. Porque nos organizamos onde sofremos as principais contradições: nos nossos locais de trabalho através dos sindicatos, nos nossos bairros através das associações de vizinhos, nos nossos centros de estudo através das organizações estudantis... Agora só precisamos de levar as ferramentas que temos para alcançar os nossos propósitos.
Não tenhamos medo de nos diferenciar daquelas que não vêem estas contradições. Não tenhamos medo de sermos criticadas por sermos claras sobre o que aspiramos. Não nos deixemos intimidar pelas que dizem que as nossas ideias são ideias de outros tempos. De mãos dadas, ombro a ombro com as da nossa classe, faremos da nossa união e da nossa organização o início de um novo tempo.
Fonte: Nuevo Rumbo
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