Os primeiros anos da vida de José Gregório não se diferenciam muito da de outros jovens da sua geração na localidade operária da Marinha Grande. Aos oito anos, já percorria diariamente o caminho entre a sua casa e a fábrica, onde se iniciava como aprendiz de vidreiro.
O trabalho duro, a infância gozada a espaços e a convivência com os seus camaradas operários constituem uma escola de luta, num sector que se afirmava já, à época, dos mais combativos. Com apenas 12 anos, em 1920, José Gregório era já um activo participante e dirigente da greve dos pequenos operários da empresa CIP, e apenas quatro anos depois dava um destacado contributo para a reorganização da Associação de Classe dos Operários Garrafeiros. Estava-se em 1924.
Em 1929, os efeitos da Grande Depressão chegam à Europa e a Portugal e os seus efeitos são avassaladores na indústria vidreira. Muitas fábricas são encerradas e os operários são «desviados» para a construção das estradas que rasgam o Pinhal de Leiria. Entre eles estava o jovem José Gregório, que aí se destacará, com outros, na dinamização da exigência de transporte e melhores salários.
Entre 1929 e 1933, o futuro dirigente comunista assume, com António Guerra, Augusto Costa, entre outros, a condução da luta dos vidreiros, com destaque para as célebres «Marchas da Fome». Também na batalha pela unificação das associações sindicais de classe, que se concretizará em 1931, José Gregório assume um inestimável papel.
No ano seguinte, está novamente em destaque, ao ser um dos impulsionadores e dirigentes da greve de nove meses da Guilherme Pereira Roldão. Esta greve acabaria por sair vitoriosa, tendo contado com o apoio dos operários de todas as fábricas, bem como das suas famílias, que garantiram o salários aos grevistas.
Estava-se já no período da ditadura militar e o fascismo aproximava-se. A repressão sobre dirigentes, activistas sindicais e operários em luta intensificava-se. Muitos são presos e perseguidos. À repressão responde a população da Marinha Grande com grandes manifestações de massas de solidariedade.
José Gregório era dirigente do sindicato quando, em 1933, o governo de Salazar manda encerrar a sede do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, ao passo que iniciava a fascização dos sindicatos. É neste ano intenso que José Gregório adere ao PCP.
O 18 de Janeiro de 1934
José Gregório estava na Marinha Grande no dia 18 de Janeiro de 1934. O governo encerrara os sindicatos livres e os trabalhadores respondem com a realização de um levantamento nacional insurreccional. José Gregório destaca-se tanto na preparação como na sua realização.
Se no resto do País, o levantamento foi pouco mais do que incipiente, na Marinha Grande os operários chegaram a tomar o poder na vila. Dirigidos por José Gregório e António Guerra, que gizam o plano e distribuem tarefas, os operários marinhenses cercam o posto da GNR e forçam-no à rendição. Por horas, a vila esteve ocupada e foi instituído o Soviete da Marinha Grande.
Mas a heroicidade não bastou para vencer a batalha, tal era a disparidade de forças. A repressão atacou com ferocidade e acabou por quebrar a resistência. Mas o 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande fica para sempre marcado como um feito heróico da classe operária portuguesa, que ousou sonhar e lutar por um mundo sem exploração nem opressão.
Muitos dos revolucionários do 18 de Janeiro foram alvo de uma extrema violência por parte da repressão. Vários foram condenados a largos anos de prisão.
José Gregório passaria a participar na guerra civil espanhola, na reorganização decisiva do PCP a partir de 1940 e a tornar-se um dos grandes dirigentes do PCP a partir de 1943. Após a prisão de Álvaro Cunhal em 1949, tornou-se de facto o principal dirigente do PCP até à sua doença e crise interna do partido em 1956. Procurou tratamento médico na Checoslováquia, estando gravemente doente. Foi neste país que faleceu em Maio de 1961. Foi um ferrenho defensor de Stalin mesmo depois de o PCP se ter alinhado com os ataques contra Stalin feitos pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética de 1956.
O 18 de Janeiro na imprensa operária da época
Uma revolta contada ao minuto
No número dois da série ilegal de O Proletário, jornal da CIS – Comissão Inter-Sindical, editado entre Março e Julho de 1934, publica-se uma entrevista com «um dos dirigentes do Partido Comunista e do Sindicato Vermelho Vidreiro da Marinha Grande» envolvido no levantamento de 18 de Janeiro. Conta este dirigente que «pelas 2 horas do dia 18, fizemos a distribuição das nossas forças de choque. Tudo se fez de uma maneira organizada. Os nossos camaradas distinguiam-se por uma braçadeira vermelha com a foice e o martelo. Um grupo numeroso seguiu a cortar as comunicações. Ao mesmo tempo, três outros grupos marchavam a ocupar, simultaneamente, os Paços do Concelho, a estação telegráfica e o quartel da GNR. As armas eram apenas o que se tinha podido arranjar; algumas espingardas caçadeiras, duas pistolas e umas cinco bombas».
Foi no posto da Guarda que se concentrou a resistência. «Porém, já todos os pontos estratégicos da vila se encontravam nas nossas mãos. Por outro lado, já toda a massa operária da Marinha Grande estava na rua, apoiando os poucos homens armados que possuíamos. O quartel ficou completamente bloqueado e foram dados quinze minutos à força para se render. Recusou. Desencadeou-se o ataque.
Duas horas de tiroteio e veio a rendição. A força foi desarmada e o comandante solicitou-nos que impedíssemos possíveis vinganças. Lembra-se de dezenas das suas vítimas que andavam pelas ruas... Concordámos em que o melhor meio de os salvaguardar contra isso, seria conservá-los prisioneiros, sob a guarda de camaradas de confiança. Por isso os conduzimos para uma fábrica de vidros. Mas repara: apenas os que temiam represálias para ali foram. Dois, por exemplo, não temeram represálias, seguiram para as suas casas e ninguém lhes fez mal.» Vencida a GNR, cessou toda a resistência. «Às cinco horas da manhã toda a Marinha Grande estava nas mãos do proletariado e milhares de trabalhadores percorriam a vila vitoriando o nosso Partido», afirmou.
O ataque das forças da repressão começou mais tarde, e com recurso a todos os métodos. «A pouca distância da Marinha Grande, ouvimos passos de muita gente próximo de nós. A pergunta de “Quem vem lá?” respondeu-nos um arrogante “Forças do Governo!” e uma descarga. Caiu um camarada ferido. Ripostámos e durante alguns minutos se estabeleceu um nutrido tiroteio. Sentíamos que a força atacante se afastava. Avançámos. Tinham abandonado os feridos, na estrada. Mas, entretanto, entrava a artilharia em acção.»
A tudo o fascismo recorreu. «Era loucura prolongar a resistência. Pouco mais de vinte possuíamos armas de fogo. O Governo opunha-nos artilharia, cavalaria, infantaria, metralhadoras... e até um avião que já voava sobre a vila, para regular o tiro da artilharia!» Os trabalhadores retiraram «em boa ordem para o pinhal. Porém, só cerca das onze horas os “heróicos” mantenedores da ordem entraram na Marinha Grande. Decidimos dividir-nos em pequenos grupos de quatro a cinco, e abandonar a luta procurando iludir o cerco. Ainda isto se fez de um modo organizado. Os camaradas que têm dinheiro dividem-no pelos que o não têm. Há gestos admiráveis de camaradagem. Um camarada que possuía 600 escudos fica apenas com setenta, dividindo o resto pelos camaradas! Abraços... comoção e separámo-nos...».
Retirado de dois artigos do Avante (excepto a parte do parágrafo final sobre o José Gregório):
José Gregório nasceu há cem anos - Grande obreiro do Partido
Avante N.º 1791, 27 de Março de 2008
70 anos do 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande
Artigo publicado na Edição Nº1572 de "O Avante!"
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