Estaremos nós preparados para organizar a luta da juventude atual no caminho do socialismo?
A explosão de manifestações espontâneas produzidas recentemente em todo o mundo, na forma de protestos antirracistas ou afirmação de anseios feministas e que contaram com ampla participação de jovens, surgiu de profunda insatisfação da sua realidade social, sem, no entanto, apontar, do ponto de vista organizativo, para uma estratégia de solução. Como exemplo, citamos a de Lisboa no dia 6 de Junho que levou milhares de pessoas às ruas, entre elas uma camada expressiva de jovens que ali vivenciava pela primeira vez uma iniciativa deste teor.
Antes de conclusões sumárias, embora reais, que os relegam a grupo social dissociado dos interesses da classe trabalhadora, seria fundamental entender o panorama político em que os jovens estão inseridos no mundo atual, perceber nitidamente como ela é produzida pelo sistema capitalista e como é intencional a incorporação dessa expressiva parcela de jovens, no contexto de precarização do trabalho, subemprego e desemprego da realidade laboral atual.
Sob o sistema do capital, o trabalho é esvaziado de sentido, uma vez que se torna uma atividade mediada para a produção de valor ao capitalista e assim, os modelos de organização do trabalho se transmutam continuamente para dar conta das mudanças, cuja tendência é sempre de expansão. Nesse sentido, as estratégias de controle do trabalho, para além das inovações tecnológicas, invariavelmente abarcam diferentes formas para a exploração da força de trabalho.
Se nas primeiras décadas do século XX, no fordismo e até mesmo no toyotismo, havia uma concepção de classe trabalhadora formada no sistema produtivo do chão de fábrica e na figura física de patrão da empresa, a partir da década de 1970, o desenvolvimento das forças produtivas nas grandes indústrias foi gradativamente incorporando a utilização da microeletrônica e da conectividade em rede ao sistema produtivo. A disseminação dos computadores e da internet promoveu alterações não somente no ambiente produtivo, mas em toda a sociabilidade humana integrada ao movimento do capital.
A relativamente recente “uberização” do trabalho (termo usado aqui para designar este novo modelo de organização do trabalho, derivado do nome da empresa Uber que desenvolveu uma plataforma digital disponível para smartphones que conecta os clientes aos prestadores de serviços) caracteriza a nova forma do trabalho a que está sujeita a grande maioria dos jovens que lutam pela sobrevivência diária. E na medida em que já não necessita contratar o trabalhador como empregado e sequer necessita investir na maioria dos meios físicos que constituem o capital constante, o mais-valor apropriado pelo capitalista se torna maximizado em um patamar inimaginável para as empresas tradicionais, o que se revela bom exemplo para que outras empresas passem a adotar modelos semelhantes de estruturação de seus negócios.
Como estratégia de quase única possibilidade de sobrevivência no quadro brutal de desemprego que não para de crescer, sem qualquer vínculo empregatício, os trabalhadores passam a considerar-se como profissionais autónomos, detendo quase a totalidade dos meios de produção necessários à execução da atividade e por eles integralmente se responsabilizando. Como ”profissionais autónomos”, é inevitável a luta pelo êxito nas estratégias do empreendedorismo tão ao gosto das políticas neoliberais que os transforma finalmente em consumidores ativos.
Do ponto de vista das consequências para o trabalho, prevalece a heterogeneidade, as desigualdades das condições de trabalho, a rejeição a organizações sindicais, a capitulação humilhante às exigências da empresa relativamente a salário e tempo de trabalho, além da auto responsabilização pelos respectivos custos. Esta dimensão individual do trabalho, que transforma trabalhadores em empreendedores, resulta na frustração que gera acomodação ou, então, ou em explosões circunstanciais de caráter anárquico, sem luta organizada que pudesse conduzi-los à conquista das suas reivindicações ou à construção duma nova sociedade, que eles nem sabem ou acreditam que é possível conseguir.
Também o trabalho precário atinge, sobretudo, os jovens. O número de trabalhadores precários disparou em Portugal segundo o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Apontado como um dos que paga pior aos jovens mais qualificados, Portugal surge como o quarto país com o maior crescimento dos contratos a termo, só ultrapassado pela República Checa, Espanha e Polónia, tendência registada em cerca de metade dos países da OCDE e que já tinha tido início antes da crise. Tendo em conta as fontes disponíveis de 2016, a CGTP-IN considera que nesse ano, pelo menos um milhão, cento e vinte e sete mil trabalhadores tinham vínculos precários em Portugal, ou seja, cerca de 30% dos trabalhadores por conta de outrem, correspondendo a mais 267 mil que em 2012.
Este tipo de manifestações identitárias, reveladoras de insatisfações duma juventude submetida a este tipo de escravidão voluntária, nunca serão superáveis nos marcos do sistema capitalista, já que a regulação das relações de trabalho nunca serão solução pela relação contraditória capital-trabalho. Mas isto sabemo-lo nós, não eles AINDA!
Se nos intitulamos vanguarda do processo revolucionário, é a nós que compete a tarefa de arranjar táticas de aproximação para conscientização do processo a que estão submetidos, na estratégia de envolvê-los na luta contra o sistema do capital que os esmaga e organizá-los rumo a uma sociedade justa. Ou entendemos o contexto laboral atual e estabelecemos estratégias organizativas para levar consciência de classe a este novo contingente que se movimenta nas ruas e clama por mudanças ou seremos responsáveis também pela capitulação ao sistema de superexploração a que o trabalhador atual se tem de sujeitar e que vai muito além dos limites físicos da sobrevivência mínima.
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